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Saturnus filium devorans

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Cavo dentro de mim uma porta até o rio de sangue. 
Quero entrar no jardim dos animais exilados,
e atirar com meu arco.

Houve um instante em que estiveste aqui,  
vestida como uma plebéia escandinava,  
ou pintora de bisões rupestres,  
ou usurpadora de um trono de nuvens.

Agora o sangue não flui,  
corto minhas mãos cavando cascalho  
na secura  
desse grão de areia,  
onde cavo dentro de mim uma porta até o jardim do exílio,  
em que guardei os cânticos além-atlântico  
das aves que lá gorgeiam.
Um bem-te-vi a quem  
eu tiro com meu arco uma fuga
fazendo voar tuas risadas
por trás da vegetação.

as mesmas que ouvi
numa Venèsia improvisada,  
com a bateira do canal da Lagoa  
onde debaixo de chuva
segurei o infinito  
na palma da mão.

Te busco abrindo o caminho pelas  
margaridas,  
amélias, gira-sóis,  
samambaias húmidas  
despencadas de um trono de nuvens  
carregadas de sangue que não precipita,  
mas tu não estás por aqui.

O rio está seco.
Nele só resta uma imagem esculpida no cascalho,
onde cavei dentro de mim um exílio,  
que jorra sangue sobre o arco do jardim  
onde está a tua porta.

Junto meus lábios a ela:  
Levanta, meu amor,  
que quem te chama está inteiro.

Levanta, meu amor,  
como se todo o passado passado  
ainda estivesse nas nossas mãos.

Como se ainda fôssemos morar juntos,
Como se o colosso Tempo não nos houvesse soterrado,
Como se eu não estivesse no cemitério da tua mente
Como tu estás no meu.